Velocidade com Obstáculos: A Luta das Mulheres por Espaço no Automobilismo Nacional

Barreiras históricas, desigualdade de acesso e a luta por patrocínio ainda afastam talentos femininos das pistas nacionais.

Velocidade com Obstáculos: A Luta das Mulheres por Espaço no Automobilismo Nacional
Foto: Divulgação / Reprodução
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Em um país apaixonado por velocidade, o espaço destinado às mulheres no automobilismo ainda enfrenta diversos obstáculos. Mesmo com os avanços das últimas décadas — como o surgimento de campeonatos femininos e a maior visibilidade nas redes sociais —, a presença feminina nas pistas brasileiras e internacionais continua sendo exceção, principalmente nas categorias de base e profissionais. 

Segundo dados da Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA), em 2025 há 1.500 pilotas e navegadoras licenciadas no Brasil, atuando nas mais diversas modalidades, como kartismo, rally, velocidade (asfalto e terra), arrancada, drift e automobilismo virtual. No entanto, o principal desafio segue sendo o mesmo: a falta de apoio financeiro. Muitas competidoras afirmam que a maior dificuldade está em conquistar patrocínio — não por falta de desempenho ou resultados, mas por conta de estigmas e preconceitos de gênero que ainda persistem no meio.

E, neste cenário, se destaca Carol Nunes, uma paulista de 32 anos, pilota trans que vem deixando sua marca no esporte a motor. Tentando construir uma carreira sólida no automobilismo, Carol vem ganhando, aos poucos, respeito e notoriedade por suas conquistas e perseverança. Ela também chamou atenção por um projeto ousado: transformar um Ford Fusion em um carro de corrida digno da Stock Car — iniciativa que atraiu olhares de entusiastas, mecânicos e equipes profissionais.

"Conseguir patrocínio no automobilismo já é um desafio enorme para qualquer piloto, mas para nós, mulheres, a dificuldade é ainda maior. Muitas vezes, as marcas sequer analisam a proposta quando percebem que quem está ao volante é uma mulher. Enfrentamos um preconceito silencioso que questiona nossa capacidade e força para competir no mais alto nível. Para mim, o maior desafio é desconstruir essa visão ultrapassada que associa o volante apenas aos homens. Enquanto isso não mudar, as oportunidades continuam escassas — e o talento, muitas vezes, fica invisível", afirma Carol.

"Para mim, que sou uma mulher trans, essa dificuldade é multiplicada. Além de lidar com o preconceito contra as mulheres no esporte, ainda enfrentamos a resistência de algumas marcas que não querem se associar a pessoas LGBT+. Às vezes, a empresa até poderia apoiar uma mulher, mas quando sabem que a pilota é trans, o patrocínio não avança — seja por preconceito explícito ou por medo de se envolver nessa questão. O maior desafio que enfrento hoje para competir é a questão financeira, principalmente a obtenção de patrocínio. Sem isso, fica praticamente impossível estar na pista", conclui.

O patrocínio é peça-chave para a permanência no esporte. Ele funciona como ponte entre o talento e a realização de sonhos e conquistas. Sem esse apoio, muitas trajetórias são interrompidas precocemente — e o automobilismo perde nomes promissores antes mesmo que eles possam brilhar.

Outra voz importante nesse cenário é a da pilota mineira Natália Xavier, que reforça a urgência por mais incentivo institucional. "Um dos maiores problemas é a falta de incentivo por parte das empresas. As categorias poderiam investir mais no apoio às mulheres, criando planos específicos de patrocínio para divulgar e apoiar quem quer entrar e quem já está nas pistas."

Natália, que começou sua carreira em 2009, trocou a festa de 15 anos por um kart novo e, desde então, participa de competições amadoras e profissionais. Ela convive com as limitações orçamentárias, mas mantém uma rotina intensa de treinos. Seu currículo inclui um período de preparação na Inglaterra, onde teve a chance de aprimorar sua técnica e vivenciar o cenário internacional. Determinada, disciplinada e focada, a pilota continua vencendo barreiras em busca de seu espaço no automobilismo nacional.

"Sempre competi com homens, desde o kart, e precisava provar que era capaz de vencer corridas e ser mais rápida. Além do desgaste físico e mental, tive que me adaptar com alimentação, preparo físico e psicológico. Não foi fácil. Mostrar que a mulher pode ser tão rápida e competitiva quanto os homens é uma luta constante. A gente precisa sempre reafirmar o nosso espaço, apesar das críticas", completa.

No Brasil, o interesse das mulheres pelo automobilismo tem crescido de forma significativa. Uma pesquisa do Ibope Repucom, divulgada pelo estudo Sponsorlink, mostrou que o interesse feminino por esportes a motor cresceu 49% nos últimos cinco anos. Em 2019, 42% dos internautas brasileiros se declaravam fãs da modalidade — número que saltou para 56% em 2024, o equivalente a 65 milhões de pessoas. Deste total, 51% são mulheres.

Ainda que os homens continuem sendo maioria entre os fãs (57%), a participação feminina apresentou um crescimento de 5 pontos percentuais e um avanço de 15% no período. Entre as mulheres, especificamente, o interesse passou de 31% em 2019 para 46% atualmente — um aumento expressivo que evidencia uma transformação no público do automobilismo.

Segundo um relatório de 2023 da empresa inglesa More Than Equal, a participação feminina em competições a motor gira em torno de 10% do total, sendo mais significativa no kart (40%). No entanto, 13% dessas participações no kart ocorrem por iniciativa própria das pilotas — número que cai para apenas 7% nas categorias Fórmula e GT, onde os custos e exigências técnicas são ainda maiores.

Apesar disso, avanços importantes vêm acontecendo nos últimos anos. A criação de categorias como a W Series e a atual F1 Academy trouxe mais visibilidade e oportunidades para jovens talentos. Nomes como Jamie Chadwick, tricampeã da W Series e hoje piloto da Indy NXT; Sophia Flörsch, na Fórmula 3; e Antonella Bassani, destaque na Porsche Carrera Cup Brasil, mostram que uma nova geração de pilotas está conquistando seu espaço nas pistas.

A F1 Academy, inclusive, é uma categoria de monopostos exclusiva para mulheres e, atualmente, conta com duas representantes brasileiras: Rafaela Ferreira e Aurelia Nobels. Já na Fórmula 1, a última mulher a disputar uma prova oficial foi a italiana Giovanna Amati, em 1992, pela equipe Brabham.

Apesar do progresso, o acesso à formação técnica de qualidade ainda é restrito. Faltam programas públicos e políticas de incentivo para meninas nas categorias de base. Além disso, a maior parte das marcas patrocinadoras segue voltada ao público masculino, perpetuando um cenário de desigualdade.

A jornada feminina no automobilismo é marcada por conquistas, mas também por uma série de obstáculos estruturais e culturais. Muitas vezes, a capacidade técnica ou física das mulheres ainda é colocada em dúvida. O investimento em pilotas continua abaixo do necessário para competir em alto nível. Desde o design dos cockpits até os trajes, a infraestrutura é pensada para homens, e o ambiente predominantemente masculino dificulta o acolhimento e o desenvolvimento dessas profissionais.

A mensagem é clara: reduzir a desigualdade de gênero no esporte e abrir caminho para que mais mulheres façam parte do futuro do automobilismo. Porque, enquanto o talento precisar provar o óbvio, a verdadeira corrida não será contra o cronômetro, mas contra o preconceito. E quando essa bandeira for finalmente erguida, veremos não apenas pilotas vencendo corridas, mas também inspirando uma nova geração a acreditar que todo lugar é lugar de mulher — inclusive o topo do pódio.


Fonte: Celso Chiavelli